Adriana Ventura
Congresso Nacional - foto de Fabio Barros
Congresso- Nacional - foto de Fabio Barros

O escândalo do Orçamento Secreto e a guerra contra as emendas de relator

Este artigo sobre orçamento secreto é parte integrante do livro Um ano pelo Brasil- Volume 3, de autoria da Deputada Adriana Ventura

Transparência é um valor essencial e deveria ser sempre um pilar da boa administração pública. Mas não é o que vimos no Brasil em 2021. O ano, entre tantas outras coisas, foi marcado pelo escândalo do chamado Orçamento Secreto. Algo que surgiu como um burburinho em meados de 2020 e ganhou forma em 2021, trazendo à tona um amplo arranjo institucionalizado de de troca de favores entre o Executivo e o Legislativo, ameaçando um dos princípios essenciais da Democracia que é a independência dos poderes.

Detalhe: tudo isso no meio de uma pandemia catastrófica! Quando nossas atenções deveriam estar voltadas para o que é prioridade, ou seja para a saúde, para a educação, para a melhoria do ambiente econômico e para tantos problemas estruturais do País, o Congresso Nacional, com a participação do Executivo, brigava para abocanhar valores bilionários para alimentar seus currais eleitorais.

Mas de onde vinha tanto dinheiro? A negociação foi toda montada com base nas emendas de Relator – RP9. As emendas de relator foram criadas em 2019 para o Orçamento via Lei Orçamentária Anual de 2020 e se mantiveram na LOA sequente.

O primeiro problema a ser destacado nesse tipo de emenda é a sua finalidade: a emenda deveria servir ao povo, atendendo uma necessidade básica, e não para alimentar o curral eleitoral dos deputados e senadores. Precisamos de critérios técnicos em quaisquer das destinações do Orçamento da União! Orçamento não deve servir para alimentar curral eleitoral e perpetuar os mesmos no poder.

Mas as emendas de relator poderiam trazer outros problemas graves:

  • aumentar a rigidez orçamentária;
  • gerar dificuldades fiscais;
  • diminuir a transparência no Orçamento.

Além disso, pudemos observar que a maioria das emendas de relator vem sendo utilizada para despesas correntes, e não para investimentos, que seria seu uso mais apropriado. Em evento da Frente Parlamentar Mista Ética contra a Corrupção, da qual sou presidente, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União, disse:

“O aporte de recursos orçamentários para milhares de novas obras não se coaduna com o princípio da eficiência quando há obras paralisadas por falta de recursos orçamentários ou financeiros e obras em andamento sem a garantia de recursos financeiros suficientes para sua conclusão”.

Como quem ia tateando e querendo entender o que estava acontecendo, comecei a tentar descobrir o que estava por trás deste escândalo noticiado pelos jornais e ali chamado de “tratoraço”. Enviei, ainda no começo do ano, um requerimento de informação para a Secretaria de Governo para saber como seriam destinadas essas supostas emendas parlamentares “extras” e questionando o esquema. Afinal, a população merece saber como o dinheiro dos seus impostos é aplicado!

Obtive respostas dúbias e superficiais, mas continuei atuando com requerimentos dentro dos ministérios, questionando dentro do Congresso e, juntamente com esforços da imprensa, especialmente do jornalista Breno Pires, do Estadão, a verdade começou a aparecer.

A negociata, ainda que profundamente desvirtuada, era muito simples. O Relator do Orçamento, parlamentar escolhido para fazer o relatório do Orçamento, reservava cifras bilionárias para distribuir entre os parlamentares, principalmente da base governista. O dinheiro ficava represado e sua entrega dependia de apoio político dentro do Congresso Nacional. Caso o parlamentar acompanhasse as votações de interesse do governo, o dinheiro era liberado para o município ou região de interesse dele, alimentando dessa forma o chamado curral eleitoral. Prática nada republicana.

É importante ressaltar que a falta de transparência no processo de indicação de recursos e na execução dessas despesas, como ocorre na distribuição das emendas de relator, sem o devido respeito ao planejamento governamental, aumenta significativamente a probabilidade da ocorrência de desvios e de irregularidades na utilização dos recursos públicos.

Segundo Leonardo Albernaz, Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, no evento que promovi via Frente Ética contra a Corrupção, 38% dos repasses federais aos entes nacionais de 2020 foram destinados para 33 cidades. Todas elas receberam emendas superiores a 50 milhões! Isso é um tapa na cara das outras 5537 cidades brasileiras! Dois exemplos: Tauá, no Ceará, com menos de 60 mil habitantes, recebeu 146 milhões de reais; Santana, no Amapá, com 120 mil habitantes, recebeu 118 milhões de reais. Falta total de equidade no Orçamento.

Diante dessas descobertas estarrecedoras, meu segundo passo foi buscar evitar isto a todo custo. Fiz desde Projetos de Lei exigindo máxima transparência das emendas de Relator até Projetos em que tentei extingui-las de vez. Um exemplo foi o PL 4.131/2021, que obriga estados e municípios que tenham recebido dinheiro federal direto em caixa a divulgarem on-line onde e como eles usam esse dinheiro. O orçamento da União deve ser claro como água. Cada indicação deve ter origem e sua prestação de contas deve ser pública.

Também encaminhei pedidos para Controladoria Geral da União atuar e estabelecer critérios objetivos no uso destas emendas! Travei uma extensa, solitária e cansativa luta na Comissão Mista de Orçamento. No fim, ainda conseguimos mínimos critérios de transparência.

Não vou parar, eu não posso parar. Em 2022, seguirei tendo como foco ampliar a fiscalização, bem como a transparência de todos os recursos que estão sob o título das emendas de Relator. É inadmissível que, em plena crise fiscal, estejamos destinando quase 20 bilhões para favorecer interesses pessoais e eleitoreiros de parlamentares do Congresso!

E, o pior: sem transparência, que é o mínimo que se espera no uso dos recursos públicos. As emendas do relator, RP9, são obscuras: ferem integralmente o princípio da transparência, necessário à boa administração pública.

Nada é mais importante para a boa gestão pública do que a LDO e a LOA, que definem como o Governo pode gastar os recursos públicos – no limite, os impostos que você paga. O Orçamento deve ser regido pela publicidade e transparência. Segredo assim é criminoso. O Orçamento deve servir o povo e não as vontades e interesses individuais. Quando não priorizamos a população e seus direitos, o Orçamento coloca-se acima da Constituição, tornando-se ilegítimo e imoral.

Vem falar comigo!