Adriana Ventura

Daniel Silveira: por que a prisão é inconstitucional?

Deputada Adriana Ventura e bancada do Novo votam contra a manutenção da prisão do Deputado Daniel Silveira. Entenda

Na sessão do dia 19 de fevereiro a Câmara dos Deputados votou pela legalidade da prisão do Deputado Daniel Silveira (PSL/RJ). Que fique bem claro: o que foi julgado foi a legalidade ou ilegalidade da prisão feita pelo STF. A votação referente ao mérito do comportamento vergonhoso do deputado será nas próximas semanas.

O posicionamento da Bancada do Novo sobre a manutenção da prisão do Deputado Federal Daniel Silveira foi unânime: a decisão do Supremo Tribunal Federal não está amparada pela Constituição Federal.

E ainda fere a imunidade parlamentar e a independência entre os Poderes. Assim, todos os Deputados e eu votamos pela revogação da prisão decretada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e reiterada pelo colegiado.

A sessão da sexta-feira 19 de fevereiro foi extremamente breve, apenas alguns poucos deputados tiveram direito a fala. O Deputado Marcel Van Hattem, representou a nossa bancada, você pode ver o vídeo de sua fala abaixo.

 

Nosso voto foi absolutamente técnico e independente, seguindo nossos princípios e valores. Que fique bem claro: sempre votaremos pelo que consideramos correto e pelo que é melhor para o Brasil. Nunca votaremos por troca de likes, audiência e muito menos para acompanhar os “acordões” feitos por outros partidos. Não temos rabo preso.

Na sequência, vou responder aos principais questionamentos que recebi de alguns cidadãos nas redes sociais. Siga o embasamento de nosso posicionamento e voto. Se você tiver dúvidas ou novas questões, mande uma mensagem para o telefone (11) 94395-0030.

1. O que você pensa da atitude do Deputado Federal Daniel Silveira?

Reprovo a atitude do Deputado Daniel Silveira – totalmente inadequada e imprópria. Deveríamos estar discutindo questões essenciais para o País como o combate à pandemia e as reformas administrativa e tributária. Mas tivemos de parar os trabalhos para lidar com esta crise na democracia.

Afinal, estamos não apenas diante de um parlamentar cujo comportamento quebrou – e muito – o decoro parlamentar, violando o Código de Ética e de Conduta da Câmara, mas diante de um perigosíssimo precedente causado pelo decreto de prisão do STF. Os fins não justificam os meios!

2. O Deputado Daniel Silveira merece ser punido?

O Deputado Daniel Silveira merece ser julgado e punido, sim. Mas no foro adequado: o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Aliás, como outros casos muito graves pendentes de análise (em 2020 o Conselho de Ética não funcionou por causa da pandemia- apesar de minhas insistentes cobranças). A representação ao Conselho já foi feita pela Mesa da Câmara e exigiremos celeridade em sua apuração.

Além disso, há o inquérito em curso no STF. Por mais que aja críticas severas a este inquérito, a votação sobre a manutenção da prisão não impacta em nada o que pode acontecer no âmbito do STF, que ainda não instaurou processo para julgar o Deputado.

3. Quais atos configuram quebra de decoro parlamentar?

Segundo o Código de Ética da Câmara dos Deputados (Art. 4°), constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:
I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º);[…] VI – praticar irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes, que afetem a dignidade da representação popular.

4. Que tipo de punição um parlamentar que quebra o decoro parlamentar pode ter?

A Constituição Federal, art. 55, prevê a cassação do mandato para o Deputado ou Senador: […] II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; […] § 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

5. Por que a prisão do Deputado Daniel Silveira é inconstitucional?

A decisão da prisão do Deputado Daniel pelo STF afrontou, a um só tempo, duas imunidades parlamentares:

– A imunidade material (conhecida também como inviolabilidade parlamentar – inviolabilidade de fala);
– A imunidade formal (a garantia contra prisão a não ser em casos evidentes e de crimes inafiançáveis).

Para que qualquer cidadão seja julgado adequadamente é preciso que exista o devido processo legal! Não podemos, de jeito nenhum, aceitar uma prisão que ameace e fira a Democracia e a Constituição!

É um paradoxo que, para punir alguém que supostamente ameaça a ordem democrática, se ameace a própria ordem democrática! O STF deveria ser o guardião das leis e da Constituição Federal!!! Não deveria jamais ferir a Carta Magna.

6. Qual foi a base para a prisão do Deputado Daniel Silveira?

A decisão de prisão preventiva do deputado federal Daniel Silveira foi tomada com base:

a) Em flagrante de crime inafiançável
Isto consta do § 2º do artigo 53 da Constituição Federal. Veja o texto:

Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

b) Na Lei de Segurança Nacional
Baseou-se ainda em crimes previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/73), especificamente, nos artigos 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I, II e IV e 26.

7. O parlamentar tem ou não direito à imunidade de fala?

Pois é, este é um primeiro ponto grave. A Constituição Federal garante a inviolabilidade parlamentar, que existe para garantir que um parlamentar não tenha seu direito à opinião e o direito a voto cassados por outros poderes. Vamos lembrar que a Constituição de 1988 foi discutida logo após a saída da ditadura, quando os deputados eram presos por se manifestarem. Esse foi um ponto muito pensado pelos Constituintes. Garantir a inviolabilidade da fala e preservar a Democracia. Ainda que no limite essa fala fosse anti-democrática, anarquista, monarquista…

Há um trecho do livro Direito Constitucional (página 316 da 11ª edição), de autoria do próprio ministro Alexandre de Moraes, para explicar esse ponto:

“A Constituição Federal prevê serem os deputados e senadores invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (art. 53 CF, caput), no que a doutrina denomina imunidade material ou inviolabilidade parlamentar.
A imunidade material implica subtração da responsabilidade penal, civil, disciplinar ou política do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos. Explica Nélson Hungria que, nas suas opiniões, palavras ou votos, jamais se poderá identificar, por pane do parlamentar, qualquer dos chamados crimes de opinião ou crimes da palavra, como os crimes contra a honra, incitamento a crime, apologia de criminoso, vilipêndio oral a culto religioso etc., pois a imunidade material exclui o crime nos casos admitidos; o fato típico deixa de constituir crime, porque a norma constitucional afasta, para a hipótese, a incidência da norma penal”.

8. Houve flagrante de crime inafiançável na prisão do Deputado Daniel?

Primeiro vamos nos ater ao que é flagrante de crime. Como o nome diz, flagrante é aquilo que se manifesta no momento. Para haver uma prisão em flagrante é preciso que o réu seja pego no flagra, no momento exato em que o crime acontece. Assim diz o Artigo. 302 do Código de Processo Penal.

O crime inafiançável em questão seria um pronunciamento em uma live compartilhada no Youtube.

A ordem de prisão se baseou na aplicação de flagrante delito. Como se o vídeo postado em redes sociais um dia antes ainda continuasse a ser flagrante. Como se a cada reload o réu novamente fosse pego no ato. A gravação do crime sendo reproduzida na internet não é um flagrante, mas a prova do crime!

Há outra questão nesta ordem de prisão. Houve um mandado de prisão para a prisão em flagrante. O que é um total paradoxo. É impossível – juridicamente falando – que exista mandado de prisão e prisão em flagrante ao mesmo tempo.

Ou há prisão em flagrante – no ato – ou há um mandado de prisão. Absolutamente inadequado.

E tem mais: a prisão em flagrante só valeria se o crime fosse inafiançável

9. Houve crime inafiançável?

Quais são os crimes inafiançáveis? Racismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo, crimes hediondos e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Aqui neste último trecho a palavra é clara: ação de grupos contra a ordem constitucional.
Há críticas, igualmente, ao fato de se considerar os crimes previstos na Lei de Segurança Nacional como inafiançáveis.

E também há críticas ao fato de que a simples justificativa com base no art. 324, inciso IV, do Código de Processo Penal não é suficiente para considerar um crime como inafiançável. Essa leitura permite que qualquer delito seja rotulado como inafiançável, subvertendo o que está expresso na Constituição.

10. Mas a Lei de Segurança Nacional não justifica a prisão?

A pergunta certa aqui é até quando vamos aceitar a recepção da Lei de Segurança Nacional que absolutamente não dialoga com a Constituição? Lembro que o próprio Ministro Luís Roberto Barroso lidera a doutrina de que essa lei foi produzida em período autoritário e não deve ser mais aplicada. É uma lei completamente fora do tempo e anacrônica!!!

É no mínimo curioso usar uma lei dos tempos da ditadura para supostamente defender o País da ameaça da Ditadura!!!

Na sessão da Câmara que julgou a prisão, vimos diversos Deputados que aprovaram a prisão e depois pediram a palavra para criticar a Lei, se justificando por aprovar uma prisão baseada na Lei de Segurança Nacional.

11. A prisão foi decreta em um processo legal?

Não há processo sobre o caso. A prisão aconteceu no âmbito do problemático inquérito das Fake News (inquérito Nº 4.781 – DF) e não foi requerida pelo Ministério Público!

Este inquérito foi iniciado no STF por iniciativa do Ministro Tofolli, que era o presidente da Corte, e corre à revelia de um pedido de arquivamento feito pela Procuradoria Geral da República, porque o inquérito fere as regras do devido processo legal.

12. A Democracia foi fragilizada?

Sim, considero que a decisão de ontem do Plenário da Câmara foi um tiro no pé. O Poder Legislativo se curvou ao Poder Judiciário que deveria ser o guardião da Constituição mas agiu contra ela. Tivemos o poder de corrigir imediatamente a falha. Mas não, abrimos um perigosíssimo precedente. Hoje o STF deu uma ordem de prisão para o deputado bolsonarista. Amanhã poderá dar a qualquer outro Deputado. Afinal, pau que bate em Chico bate em Francisco.
Ontem vimos o poder que emana do povo, que representa a população, se apequenar.

A Câmara dos Deputados não pode se curvar aos outros poderes. Temos de honrar nossos mandatos populares! Parte da opinião pública já desafia a Câmara, dizendo que os Deputados não têm independência para enfrentar o STF porque vários temem retaliações em processos que tramitam na corte superior. Nos bastidores todos os Deputados estão estupefatos com o atropelo da Constituição e do devido processo legal, mas não têm coragem de expor publicamente suas opiniões. Não podemos nos apequenar, tampouco validar um ato incontestavelmente ilegal.

13. A Bancada do Novo é bolsonarista e está defendendo o aliado do Presidente?

Não. Não se trata de defender um deputado federal com nome, sobrenome e padrinho político, mas de defender a Câmara dos Deputados – que é a Casa do Povo e da democracia. Com representantes eleitos por meio do voto popular,  independentemente de gostarmos ou não do deputado em questão. Lutamos para manter o equilíbrio dos três poderes e a integridade da democracia.

Vem falar comigo!