Adriana Ventura

Sobre a democracia na Câmara dos Deputados

Há falhas no nosso sistema de representação – e uma delas é decorrente do financiamento público de partidos!

Muito se fala em democracia, o mais desejável valor de uma República. Depois de passar um ano na Câmara dos Deputados, questiono: será que existe democracia plena no Poder Legislativo brasileiro? Poder que pauta e vota as principais leis do País, poder que aprova ou emenda o Orçamento da Nação… Será que seu representante eleito o representa integralmente ali, com liberdade e autonomia?

Em minha opinião, não há Democracia plena na Câmara dos Deputados. E vou mostrar algumas fatos que me fazem pensar assim. Primeiro: os Deputados Federais não votam – e aprovam – todas as leis. Como há inúmeras proposições para serem analisadas e votadas, a Câmara divide esse trabalho em comissões temáticas que vão de Constituição e Justiça até comissões especialmente constituídas como a da PEC 06/2019, a da Reforma da Previdência. O trabalho desenvolvido nessas comissões, quando há acordo interno, se encerra na própria comissão, sem sequer passar pela discussão em Plenário. Nessa situação, os 513 Deputados são representados por seus pares.

Há um agravante: nem todo partido político possui cadeiras em todas as comissões! Como os partidos recebem cadeiras nas comissões de acordo com o tamanho de sua bancada, partidos com poucos deputados, muitas vezes, sequer têm a possibilidade de integrar uma comissão, ficando assim completamente desinformados ou, em outros casos, sem nenhuma voz nas deliberações feitas nela!

Há uma segunda situação em que o Deputado não tem poder de decisão: na escolha sobre a pauta da semana. Quem decide as pautas prioritárias entre as milhares que esperam na fila da Câmara que entrarão em debate e votação? O Presidente da Câmara, claro, mas em negociação restrita com o Colégio de Líderes. Cada bancada partidária tem um líder e é ele quem pode participar da reunião desta pauta que acontece às terças-feiras e que determina o que será votado na Câmara dos Deputados naquela semana. É uma decisão tomada exclusivamente pelos líderes dos partidos, sem a participação dos outros deputados que compõem a Câmara. Pergunto: existe legitimidade neste sistema de representação da representação?

Se esse sistema é falho, por que ainda não foi mudado?

No início do século passado, o sociólogo alemão Robert Michels, já apontava que há uma tendência oligárquica em toda organização política, em especial as democracias representativas. Isso acontece porque aqueles que ocupam posições de poder tendem a defender os seus próprios interesses. Costumo dizer que defendem seus próprios umbigos e, assim, batizei a Congresso de Umbigolândia. Para agravar, essa defesa de interesses digamos, corporativos, se estende para além das fronteiras partidárias! Ou seja, organizações rivais na hora das eleições se tornam parceiras na hora de manter o status quo. Alguns exemplos dessa união? Anistia para partidos, aumento do fundo partidário e eleitoral, dentre outros assuntos que afrontam a população.
Em conjunto, criam falácias para justificar seus posicionamentos. Uma dessas falácias é a do financiamento publico de campanha (o chamado fundo eleitoral). Dizem que ajuda a democracia ao permitir que todos os cidadãos possam participar, dando chance a quem não tem recursos de entrar na vida politica.

Ledo engano.

Pelo que vejo no dia-a-dia, a maior parte dos partidos distribuem o valor do fundo eleitoral para seus candidatos de forma arbitrária, sem qualquer critério ou isonomia. Quem decide a divisão desse fundo dentro dos partidos são os “caciques” partidários, os donos-do-dinheiro. Assim, enquanto um candidato a deputado federal, por exemplo, pode ganhar o teto permitido, R$ 2,5 milhões; o outro pode não ganhar nada… Simples assim. Evidente que quem recebe mais verba do fundo eleitoral tem mais chance de ser eleito. E é aí que a democracia na Câmara fica abalada… Esse financiamento terá um preço na hora das votações, em especial, nas que não são “republicanas”. Muitos deputados votam de maneira diferente do que votariam se fossem livres, ou seja, se não devessem ao cacique de seu partido. Não vão colocar em risco o seu financiamento da próxima campanha. Estou falando aqui de deputados com 150 mil, 200 mil votos!!

Triste. Mas bem real.

E eu pergunto: interesse de quem está sendo representado? O dos eleitores ou os do líder do partido? Isto é democracia? Ou é uma ditadura dos partidos políticos que, ironicamente, são financiados e perpetuados com o dinheiro dos impostos dos cidadãos?

Vem falar comigo!